O diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, acredita que ele a Cúpula dos Povos coincidem quanto ao atual modelo econômico ter causado o colapso ambiental. Porém, o diálogo sobre como substituí-lo se transformou em áspero debate.
O encontro com Steiner foi o mais esperado da Cúpula dos Povos: um alto representante da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, se deslocou para o outro lado da cidade, até a sede da reunião da sociedade civil no Aterro do Flamengo, para discutir com ecologistas e ativistas sociais sobre economia verde.
A economia verde é proposta como uma grande transformação dos modelos de produção e consumo para deter a contaminação e o esgotamento dos recursos naturais. Entretanto, para os movimentos sociais, não é mais do que outra cor para disfarçar o capitalismo.
“A Cúpula dos Povos é crítica da economia verde, porque os povos é que sofrem a crise do capitalismo e desse modelo de produção que quanto mais se agrava mais avança sobre nossos direitos”, afirmou de início a brasileira Fátima Mello, uma das organizadoras do encontro.
“Entendemos que a economia verde, que se baseia na mercantilização de bens naturais, está estreitamente ligada a uma economia marrom”, de contaminação e depredação, disse a também brasileira Larissa Packer, da organização Terra de Direitos.
A verdadeira “economia verde não é o dólar verde, como a veem os governantes. É nossa Amazônia verde”, defendeu o indígena boliviano Edwin Vásquez, que acusou as corporações transnacionais de invadirem e saquearem os recursos naturais.
Por sua vez, o argentino Juan Herrera, da rede internacional Via Camponesa, propôs um modelo de “economia popular, solidária e camponesa” que substitua o atual grande agronegócio, pois este “gerou verdadeiros desertos de soja e milho onde os camponeses já não têm um lugar”.
Diante desses pronunciamentos e críticas, Steiner, um especialista em políticas ambientais, se confessou “surpreso”. “No Pnuma estabelecemos que o modelo econômico atual não é o modelo do futuro. Estamos de acordo com vocês nisso”, afirmou, orientando os participantes a “lerem o documento oficial desta agência das Nações Unidas que aborda as diferentes interpretações sobre economia verde.
Sem seus habituais terno e gravata, Steiner explicou que o “fracasso” de não se ter evitado a degradação natural “tem a ver com o modelo econômico do mundo que trata o planeta como mineração: extrair, extrair e extrair”.
E quase adotou a mesma linguagem que a plateia adversária, ao se declarar crítico da “capacidade do mercado de alcançar o desenvolvimento sustentável”, e especificou: um mercado baseado, como se fosse uma “lei da física”, na livre oferta e demanda.
“O atum de barbatana azul vale hoje no mercado US$ 4 mil. Por isto, as empresas poderiam capturar até o último exemplar”, deu como exemplo para justificar que o “mercado não ajuda a administrar o planeta de forma sustentável”.
As diferenças surgiram ao se buscar opções a esse modelo. Entre outras propostas, Steiner propôs atribuir um valor econômico ao ecossistema, para promover “leis que protejam a natureza ou negócios que não sejam destrutivos”.
Também se referiu a novas tecnologias “boas e possíveis”, como as energias limpas e renováveis, que não gerariam desemprego, porque, pelo contrário, “dão mais empregos do que a indústria automobilística”.
Seus argumentos não convenceram o especialista em biodiversidade Pat Mooney. Este canadense citou tecnologias danosas propostas pela economia verde, como a biologia sintética, que modifica micro-organismos, ou o desenvolvimento de variedades transgênicas, que concentrou o controle das sementes em um punhado de multinacionais.
Mooney se disse espantado por uma economia verde que agora busca controlar a biomassa do planeta.
Tampouco o embaixador da Bolívia perante a Organização das Nações Unidas (ONU), Pablo Solón, ficou convencido, acusando Steiner de “não ter sido honesto”.
“Por trás desse conceito está o assumir que a natureza é um quintal”, enfatizou Solón elevando a voz, e afirmou que “não estamos inventando isso”, que está no rascunho em discussão pelos governos na Rio+20.
Steiner “disse que buscam desacoplar o crescimento com a deterioração ambiental. Não se pode crescer eternamente, o limite é a biodiversidade! O que necessitamos é redistribuir a riqueza!”, polemizou.
“Não por ter elevado o tom de voz e o da plateia, tudo o que você disse é correto”, respondeu Steiner. Nessa polarização entre capitalismo e anticapitalismo “o mundo não avançará”, ressaltou ao argumentar o difícil que é conseguir consenso entre todos os Estados-membros da ONU.
Propor uma economia verde sem regulamentar o mercado financeiro causará o contrário da conservação: “uma bolha financeira imprevisível”, apontou Packer ao TerraViva. “Quando há escassez de uma mercadoria, seu valor sobe. Portanto, quanto mais se destruir a natureza, maior será o valor dos ativos naturais”, alertou.
Por Fabiana Frayssinet
Foto de João Roberto Ripper
Fonte: IPS/TerraViva