Anunciada como uma inovação ao trazer para os debates a participação de internautas e da população civil como parte da programação oficial da Rio+20, a proposta dos Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável trouxe também dúvidas sobre o futuro das recomendações ali definidas.
"Sempre tem uma repercussão”, admitiu ao Terraviva o professor Elimar Pinheiro do Nascimento, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília que esteve presente no segundo dia dos “Diálogos”. “O que pode ser questionado é a natureza das discussões”, acrescentou. E explicou: “Mesmo que todas as medidas sejam implementadas, ainda estaremos muito aquém do necessário”.
Nascimento recorda que de 1992 (data da primeira conferência) até hoje houve melhorias. Por exemplo: é preciso menos energia para produzir. Porém, como as quantidades produzidas são muito maiores, no final das contas se utiliza mais matéria-prima e, portanto, a degradação do meio ambiente é maior. Se as medidas definidas nos “Diálogos” forem colocadas em prática, mas ao mesmo tempo aumentar a degradação, os impactos sobre a vida de todos também serão mais profundos, argumentou o professor.
“Da forma como está agora tendemos a viver pior – pelo menos uma parcela significativa da população que vai enfrentar mais guerras, migrações e escassez de alimentos. Para se ter uma vida melhor, é preciso muito mais”, insistiu. “É preciso sinalizar que os países do Norte não podem crescer mais, têm que estacionar suas economias, e que os países do Sul também têm que mudar sua forma de crescimento”.
Nascimento ressaltou a importância de os cidadãos buscarem formas diferentes de consumo e de repensarem a rápida obsolescência dos produtos. E disse que, mesmo que o pior cenário só vá ocorrer daqui a 50 anos, é preferível tomar atitudes mais fortes hoje, e não apenas paliativos.
Rosa Alegria, coordenadora do Núcleo de Estudos do Futuro, ligado à Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que faz parte também do projeto Millennium da Rede Pesquisa Mundial, e do Conselho Deliberativo do Diálogos para a Economia Verde (da Green Economy Coalition), é ainda menos otimista sobre os resultados dos “Diálogos” propostos pelo governo dentro da programação oficial da Rio+20.
Alegria participou da construção do processo desde que a ideia foi cogitada pela primeira vez. Incorporada pelo Itamaraty, a proposta gerou controvérsias sobre o formato a ser adotado. “O que era para ser da sociedade passou a ser algo desenhado pelo governo”, lembrou.
“O que vejo aqui é um formato tradicional, conservador, que não instiga à participação, e que intimida porque é muito formal e burocrático”, criticou. Ainda assim, reconheceu que os presentes no Pavilhão 5 do Riocentro se manifestaram muito e trouxeram questões para debate.
“Mas resumir um diálogo a 10 questões reduz o pensamento. O processo criativo ficou prejudicado. Não parece um diálogo, parece um fórum. Além disso, a integração da sociedade devia ser mais espontânea e a Cúpula dos Povos não deveria ter ficado separada”, disse Alegria.
Suas dúvidas se concentram agora no destino final que terão as recomendações. “Se nem o documento final está pronto, como vão conseguir incluir mais isso?”, perguntou. Ela sugeriu que os resultados dos diálogos sejam encarados como um caminho paralelo, uma espécie de monitoramento ou pós-tratado de um novo modelo econômico e uma oportunidade de elucidar a economia verde. Porque, a seu ver, a sociedade ainda não entende o que é essa tal de “economia verde”, em nenhum momento foi discutido e definido um conceito claro e objetivo.
“Aqui poderia ser a oportunidade de definir esse conceito”, observou. Em entrevista coletiva realizada dia 17 de junho, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo anunciou que um grupo se reuniria naquela tarde para tratar justamente de criar essa definição.
Do ponto de vista dos panelistas convidados, os Diálogos são um sucesso. “São um reflexo do que é moralmente e cientificamente necessário. O que estes documentos mostram é o que o mundo acredita que é preciso fazer”, ressaltou Manish Bapna, presidente do World Resources Institute, que participou do debate sobre Desenvolvimento Sustentável para o Combate à Pobreza.
Em seu painel houve um consenso de que é urgente promover a educação e difundir um conceito compartilhado de responsabilidade sobre sustentabilidade. O plenário sugeriu que seja assegurada a capacitação da população para promover essa sustentabilidade, com o Estado garantindo os serviços básicos e, por fim, os panelistas concordaram com a necessidade de enfatizar o empoderamento das comunidades locais, promovendo o acesso à informação e a participação.
Maria Cecília Wey de Brito, secretária geral da WWF-Brasil, também fez críticas, mas, independentemente do processo, considerou importante estar presente no Diálogo sobre Florestas para sugerir incluir na lista de prioridades um item que prevê a meta de desamatamento zero até o ano 2020. Sua insistência teve resultado.
A recomendação foi incluída, junto com a ênfase na recuperação e reflorestamento de 150 milhões de hectares imediatamente (a mais votada pelos internautas), bem como o reconhecimento da importância da Ciência, da Tecnologia e do Conhecimento Tradicional para o desenvolvimento do modo sustentável. Bertha Becker, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, enfatizou a necessidade de gerar recursos para as populações que habitam estas áreas.
“A Amazônia Ocidental está se transformando numa fonteira de imigração da pobreza, porque a reforma agrária nacional levou para lá os assentados, e estão indo para lá também os haitianos, africanos e indianos”, comentou. Daí a necessidade de criar novas formas de produção sustentável e de equipar as cidades para oferecer os serviços básicos a esta população, disse Bertha.
Pelas discussões geradas, Klaus Töpfer, fundador e diretor-executivo do Instituto de Estudosem Sustentabilidade Avançados, acredita que as conclusões de todos os paineis são importantes não só para o Brasil, como para todo o mundo. “Não podemos garantir que sejam integradas ao documento principal da Rio+20, mas estarão no papel. E tiveram uma participação grande da sociedade”, resumiu Töpfer. (FIM/2012)
Por Clarinha Glock, do TerraViva