O ser humano conquistou muitas vitórias nos últimos 250 anos, em especial, depois da reconfiguração mundial ocorrida após a Segunda Guerra Mundial. Em 1900, a população mundial – de cerca de 1,6 bilhão de habitantes – tinha uma esperança de vida em torno de 30 anos. Em 2000, a população tinha passado para 6 bilhões, com esperança de vida de 65 anos. Em 2011, a população chegou a 7 bilhões de habitantes e esperança de vida de 68 anos. Portanto, mesmo com o aumento sem precedentes da população, a humanidade não caiu na “armadilha malthusiana”, isto é, não houve limitação demográfica devido aos freios da mortalidade.
Ao contrário das previsões pessimistas, além do aumento do tempo médio de vida, houve melhoria das condições de moradia, aumento do nível médio da educação, redução do analfabetismo e redução da jornada média de trabalho. Em 2008, pela primeira vez na história, mais da metade da população mundial estava vivendo nas áreas urbanas. O número de automóveis passou de zero, em 1900, para 1 bilhão em 2010. O número de pessoas com acesso ao telefone (fixo e celular) e à luz elétrica passou de algo próximo do nada para 6 bilhões em 2010. É cada vez maior o número de domicílios com a presença de geladeira, fogão, máquina de lavar, televisão, rádio, computador, Internet, etc.
Embora exista muita desigualdade social no mundo, o aumento do padrão de vida médio do ser humano avançou consideravelmente, quando comparado com qualquer período anterior da civilização. Ainda que distante de uma situação ideal, nunca houve tantas pessoas com acesso à previdência social, ao sistema de saúde ou cobertas por políticas públicas de proteção social e transferência de renda. Segundo a FAO, houve um aumento de 25% na disponibilidade diária de energia alimentar per capita (kcal/pessoa-dia) da população mundial entre 1960 e 2010. Em consequência de tudo isto, diminuiram, por exemplo, as taxas da mortalidade infantil e materna.
Segundo o Banco Mundial, houve uma redução absoluta e relativa da extrema pobreza no mundo, pois, em 1981, existiam 1,938 bilhão de pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 dólares ao dia nos países em desenvolvimento, representando 52,2% da população e caiu para 1,289 bilhão de pessoas, representando 22,4% da população, em 2008. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo passou de 0,558 em 1980 para 0,682 em 2011, um aumento de 22,2% no espaço de tempo de 3 décadas. No mesmo período, o aumento do IDH foi de 38% na Ásia, 34% na África, 26% na América Latina e Caribe, 16% na Europa e 9% nos Estados Unidos e Canadá, mostrando que a despeito das desigualdades, existe um processo de convergência do IDH entre as regiões do mundo.
No campo da democracia, além do processo de descolonização que aconteceu após o fim da Segunda Guerra Mundial, o número de países com parlamentos funcionando, com maior ou menor grau de liberdade, passou de 26 em 1945 para 194 em 2010. O percentual de mulheres deputadas nos diversos países do mundo passou de 3% em 1945 para 22% em 2012. A despeito das desigualdades ainda existentes entre homens e mulheres, houve redução do hiato de gênero no mundo nas últimas décadas. O racismo e a escravidão – mesmo resistindo ao tempo – são considerados ilegais na maioria dos países. Crescem os mecanismos, mesmo que ainda não totalmente eficientes, para monitorar a situação dos direitos humanos, assim como os instrumentos internacionais para promover a cidadania.
Eventos esportivos como a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas abarcam cada vez mais países e mais atletas das diversas nacionalidades. Nunca houve tantos turistas no mundo e nem tanto intercâmbio educacional e cultural. Portanto, quando comparado com perídos históricos anteriores, o avanço do processo civilizatório é um fato incontestável. Segundo cálculos de Angus Maddison, o PIB mundial cresceu 506 vezes entre o ano 1 e o ano 2010; 112 vezes entre 1750 e 2010; 28 vezes entre 1900 e 2010 e 10 vezes somente no curto período de 1950 a 2010. Um trabalhor médio do mundo atual ganha em um mês o que um trabalhador médio ganhava em um ano no início do século XIX.
A humanidade deu um grande salto e se tornou uma força em escala planetária. Pode-se dizer, sem dúvidas, que houve progresso humano desde o início da Revolução Industrial, em 1750, especialmente no último século e, mais particularmente, nas 6 décadas passadas. Mas o mesmo não se pode dizer em relação ao meio ambiente, pois o progresso da humanidade aconteceu às custas da regressão das condições ambientais.
As áreas de florestas estão diminuindo para atender a demanda de madeira e a demanda de espaço para a agricultura e a pecuária. Especies invasoras substituem a vegetação original. O mal uso do solo provoca erosão, salinização e desertificação. A poluição dos rios diminui a disponibilidade de água doce e provoca a mortandade de peixes. Lagos, como o mar da Aral estão diminuindo ou secando para atender aos interesses da irrigação. A contaminação química e os agrotóxicos matam indiscriminadamente a vida terrestre e aquática. Aquíferos fósseis estão desaparecendo e os aquíferos renováveis não estão conseguindo manter os níveis de reposição dos estoques. A vida nos oceanos está ameaça pelo processo de acidificação. Os mangues e corais estão sendo destruidos a uma taxa alarmante. Aumentam as taxas de perda da biodiversidade (medida da diversidade de organismos vivos presentes em diferentes ecossistemas), com o aumento da degradação dos ecossistemas e a extinção da vida selvagem. O aumento das emissões de gases de efeito estufa estão provocando o aquecimento globa, tendo como consequência o derretimento das geleiras e das camadas de gelo, provocando o aumento do nível dos oceanos. As áreas produtivas da Terra diminuem, enquanto crescem os aterros para receber o crescente volume de lixo e resíduos sólidos.
O relatório da UNEP da ONU “Global Environment Outlook-5: Environment for the future we want” (GEO-5) fornece um quadro dramático da degradação ambiental no mundo. Se a situação atual já está ruim, ela deve piorar devido ao crescimento populacional, da urbanização, do consumo e do lixo. Das 90 metas ambientais mais importantes, apenas quatro estão fazendo progressos significativos. Entre as metas que apresentaram melhoras, estão aquelas para evitar a destruição do ozônio e proporcionar o acesso a abastecimento de água limpa. Mas o documento relatou pouco ou nenhum progresso em 24 metas, tais como mudança climática, esgotamento dos recursos pesqueiros e a expansão da desertificação.
Segundo Marco Aurélio Weissheimer, em Carta Maior: “Apenas no século XX, graças à ação humana, sumiram do planeta metade das áreas pantanosas, 40% das florestas e 30% dos manguezais. Desde a Rio 92, o mundo teve uma perda de biodiversidade de 12% e emitiu 40% mais gases poluentes. Somente entre os anos de 2000 e 2010, perdemos 13 milhões de hectares de florestas. Cerca da metade das reservas de pescas mundiais estão esgotadas; Um terço dos ecossistemas marítimos mais importantes foi destruído; O lixo plástico segue matando a vida marinha e criando áreas de águas litorâneas quase sem oxigênio. Há uma década, o mundo tinha um total de 11 mil espécies ameaçadas de extinção. A ONU estabeleceu então a meta de reduzir significativamente esse número. Não deu certo. Ele aumentou”.
Segundo o relatório Planeta Vivo, da WWF, a biocapacidade da Terra diminuiu de 3,2 hectares globais (gha) per capita, em 1961, para 1,8 gha per capita, em 2008. Ou seja, enquanto aumenta o consumo de bens duráveis e de alimentos para o ser humano, diminui a capacidade de produção biológica do globo.
A questão que se coloca é: pode haver continuidade do progresso humano com a manutenção das tendências de regressão das condições ambientais? O desafio do século XXI será descobrir o xis deste problema, buscando resolver adequadamente esta difícil equação.
Dos 3 pilares do desenvolvimento sustentável – econômico, social e ambiental – o último é o mais frágil e o que ameaça ruir, a não ser que a Rio + 20 produza um documento avançado que interrompa o regresso ambiental.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 20/06/2012